quarta-feira, 4 de julho de 2012

W3 Blues

Depois que a atendente do cartório me disse que ia demorar resolvi dar uma passada na biblioteca.  A biblioteca demonstrativa de Brasília fica logo ali na 507 sul. É do lado do cartório. 5 minutos de caminhada e você tá lá. Levei um pouco mais por que o sol estava rachando. Durante um tempo da minha vida de estudante sempre me refugiei nessa biblioteca. Lá era o meu esconderijo predileto. Estudei o 2º grau no Elefante Branco, e esse colégio fica por perto também. Ainda não tinha estudado em colégio público, e estudar no Elefante Branco foi interessante. Todo ano tinha greve, e as greves duravam meses. Fiquei sem professor de química um tempão, e quando apareceu, ele só pediu um trabalhinho, e pimba! Aprovado garoto! Essas greves são bem descaradas. Os alunos se lascam e não dão um pio sequer. Todo dia tinha um carro do sindicato clamando: vamos cambada, o movimento precisa de você. Alguns idiotas acreditavam nessa lorota e iam na procissão. Eu comia um cachorro quente no baiano, e pra não ter o que fazer, ou ir pra casa resolvia caminhar lentamente até a biblioteca. De forma que fiquei ainda mais vagabundo do que sou realmente. Nisso aproveitei pra fazer a minha carteirinha, e comecei a pintar por lá sempre quando queria paz, ou simplesmente correr da encheção de saco daquele tempo: vestibular, qual carreira seguir, tirar a habilitação, exército, e mais uma porrada de coisa chata. Pegava uma baia, e esquecia do mundo. Já bem acomodado na cadeira, as minhas atividades se resumiam em treinar a assinatura, desenhar, tirar um cochilo, e depois catar algum livro na estante. Ficava horas e horas lendo e me divertindo. Quando terminou o 2º grau fui para o Objetivo na 913 sul. De volta à rotina dos colégios particulares. Deus do céu! Senti a pancada. O ritmo era diferente. Uma merda. Deu saudade das greves dos professores. Talvez eu fosse um vagabundo incorrigível.
Numa sexta-feira decidi eu mesmo fazer greve. Matei aula. E fui pra rua, comprei uma carteira de cigarros, tomei café num barzinho, e acabei na biblioteca pública da 513 sul. Tá aí um lugar aconchegante. Silencioso. E bem melhor do que qualquer sala de aula. Li o jornal. Uma notinha dizia que a UNE iria apoiar o movimento. Me lembrei do carro de som deles tocando música baiana, e aquele grande clima de Micarê Candanga. Chiclete com banana e a banda do Netinho nos altos falantes. Vamos companheiro! Resolvi parar de ler. 10 da manhã senti saudades da biblioteca demonstrativa. Estava longe pra burro, mas resolvi ir caminhando até lá. Fui pela w3 olhando as vitrines, e de vez em quando parava nas bancas de revistas, dava uma olhada naquelas gostosas das capas, e seguia adiante. Num boteco pedi uma cerveja. Depois veio mais uma e bateu a fome, almocei um belo prato feito. Li um pouco o caderno do cursinho bem devagar. Depois cai na w3 sul novamente numa caminhada tranquila até a 507. Mas agora lá estava eu novamente naquela biblioteca. Passei pela roleta. Aparentemente não tinha mudado nada. Fui até a prateleira. Queria topar com algum livro que me chamasse a atenção. Algo dos autores que aprecio. Pressenti que estava diferente. Hemingway, cadê você? Encontrei um exemplar do Borges. Peguei. Vi um livro de contos do Rubem Fonseca, também peguei. Achei um com técnicas de desenho. Peguei. Daí catei uns 8 livros. As estantes já não eram as mesmas. Elas estavam repletas de livros de direito constitucional, penal, trabalhista, livros de concurso público. Sentei numa mesa sozinho, e comecei a ler. Chegou uma menina na outra ponta. Determinados textos funcionam como uma bebida, ou um alimento, depende de qual é a sua fome. Olhei ao redor e ninguém estava se “alimentando”, todos pareciam concentrados em entender algo. Vi que estava no meio dos concurseiros. Uma menina linda e entediada à esquerda. Um bombado tentando se concentrar. Uma menina de cabelo cacheado do outro lado da minha mesa. O ventilador no máximo. Eu era o único que não estava estudando. Me senti bem. Eles estavam com o semblante triste. Decerto a leitura pra eles significa apenas estudar. E ler não é só isso, ler é um papo consigo mesmo usando palavras que não são suas, é uma forma de você poder escutar a sua voz com os sentimentos impressos ali. E só um cara fazendo isso numa biblioteca praticamente cheia? O que esta acontecendo com a leitura? Até quando as bibliotecas só vão ter estudantes? Cadê as pessoas que querem se embebedar com os livros? Não tenho nenhuma dúvida de que sempre estive certo: a leitura não tem nada haver com a proposta da escola. A literatura corrompe. E pelo visto os livros que gritam nas estantes, ou aqueles que nos fazem rir, chorar, e ter raiva já estão a caminho da extinção. Os tristes concurseiros já influenciam em quais livros devem estar nas prateleiras.  Então resolvi fazer um ato “terrorista”. Antes de ir embora ajeitei os 8 exemplares de forma que eles ficassem espalhados na mesa. Como um voyeur queria ver se alguém ao sentar ali iria folheá-los, ou até mesmo ler um pouco, mas depois que levantei preferi ir embora. Quando já estava na porta quis virar discretamente pra dá uma olhada, mas não fiz isso. Quem folheou aquelas páginas? Nunca vou saber. Às vezes a imaginação é melhor do que a realidade. 

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