sexta-feira, 20 de julho de 2012

A queda


Ainda vi o momento em que ele começou a andar descompassado. O senhor deve estar lá pela casa dos 70. Ele perdeu o equilíbrio e foi ladeira abaixo. Nem a bengala impediu a pancada no chão. Imaginei que só estivesse tentando andar mais rápido, mas na verdade ele já não comandava os seus passos. O velho já tinha perdido totalmente o equilíbrio. Estava desgovernado. Só que pra mim parecia que ele caia em câmera lenta. Aí torci para que não fosse muito grave. Que ele caísse nos arbustos. Talvez o estrago fosse menor. Faltou pouco, mas infelizmente não foi isso o que aconteceu. Atravessei a rua e fui lá ajudá-lo. Ironia. Já tinha conversado com esse velho outro dia no ponto de ônibus. Estava de ressaca quando ele puxou papo. Comentou que havia se mudado há pouco tempo aqui pra redondeza. Morava no interior. Acho que era de Minas Gerais. Não lembro direito. Me contou uma porrada de casos. Coisas habituais. Esses assuntos que estão sempre a nos azucrinar. Quando vi ele caído tentei pegar com cuidado. Levantei o coroa, e a sua mulher se aproximou brava. Começou a brigar. “Viu! Seu teimoso! Não me ouve. Eu te falei! Você viu o que aconteceu?!” O sangue desceu com gosto. E como sangrava, pô. O chão parecia uma tela do Stu Sutcliffe. Ainda não tinha olhado o estrago. Não queria. Uma mulher se aproximou. “Nossa! Tá um rasgo enorme”. Aí ele se virou, e tinha um buraco fundo acima da sobrancelha, e a sua bochecha também estava bastante inchada. A pancada teve o mesmo efeito que um murro do Mike Tyson no auge da carreira. O velho tentava se explicar pra coroa. Perguntei se alguém tinha um pano. Ela abriu a bolsa, catou um, e começou a passar no rosto dele. E cada vez que fazia isso abria mais a ferida. Não! Só coloca em cima. Não precisa ficar friccionando. Uh! Qual o telefone do SAMU? Não sei. Ninguém sabia. É sempre assim, na hora em que mais precisamos: o número do telefone é um mistério. 190 - polícia. 193 do bombeiro (não tenho certeza). Mas qual é o do SAMU? De repente apareceu um carro da polícia militar. Fiz sinal. A viatura parou. “Aí, moçada querem fazer a sua boa ação do dia? O senhor aqui tá machucado. Tem como levar ele no posto de saúde?” O motorista fez cara de poucos amigos. Decerto era a hora do lanche deles. Abri a porta do carro e chamei o senhor. Um policial sacou a arma um pouco assustado. Decerto pensou que poderia ser uma emboscada. Mas que bando de frouxos. Que medo é esse?! O policial do banco de trás se mostrou mais solícito, e começou a ajudar. Tirou uns papéis do banco. Em seguida pediu para o casal tomar cuidado com a porta. Vi quando o sangue respingou no assoalho. Agora tudo iria ficar bem. O velho estava mais firme. Alguns pontos, e mais um curativo pra sua coleção. Caramba! O motorista tinha uma cara de sofrido que só vendo. Deve ter ficado puto. Gostei daquele sangue no assoalho do carro. Quando o velho se acomodou no banco, o mesmo motora ordenou que ele ficasse de cabeça erguida. Com certeza ele não queria sujeira ali. Mandei um até logo e comecei a caminhar. Mas do nada consegui ler o seu pensamento. “Magrelo babaca!” Olhei novamente e por incrível que pareça não é que o motorista conseguiu ler o meu pensamento também. “Larga de preguiça e leva o senhor pro hospital. Seu cuzão!” Espero que quando forem lavar a viatura se lembrem de que aquele sangue foi por uma causa nobre.  Vermelho Sutcliffe.
  

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